Recrutamento na era da IA: como humanizar a seleção
Sabrina Zarpelon Jasco destaca o papel humano para atrair bons candidatos e selecionar colaboradores
A evolução digital transformou os processos seletivos de emprego nos últimos anos. Com o uso de Inteligência Artificial (IA), os profissionais de recrutamento e seleção ganharam mais agilidade em atividades operacionais, como triagem de currículos e organização de fluxos de candidatos. Ao mesmo tempo, é comum ouvir reclamações sobre dificuldades em avançar no processo seletivo, usabilidade das plataformas e falta de retornos aos candidatos.
Isso demonstra que, em um cenário onde a automação avança, a humanização continua como um elemento fundamental para manter a conexão e a confiança do RH com os candidatos.
Nesta entrevista à Metadados, Sabrina Zarpelon Jasco, especialista em recrutamento e seleção, reflete sobre como equilibrar o uso de ferramentas tecnológicas avançadas e o toque humano necessário para avaliar e acolher talentos.
Analista responsável pelo recrutamento e seleção em 12 unidades da Toli Distribuidora, ela explica como plataformas digitais têm ajudado a otimizar processos e garantir feedbacks personalizados. Sabrina também destaca o papel crítico do recrutador em ajustar e interpretar dados fornecidos pela IA.
Metadados: Quais são os principais aspectos em que a tecnologia aparece como uma aliada do profissional de RH hoje?
Sabrina Zarpelon Jasco: A tecnologia realmente transformou o nosso dia a dia. Ela facilita muitas etapas operacionais, como a triagem de currículo, a organização, o próprio fluxo dos candidatos. O que eu vejo de aspecto mais positivo é a agilidade que ela nos dá nesse processo operacional. Com isso a gente consegue dedicar mais tempo para o que realmente importa, que é o contato (com o candidato), a função de conhecer melhor o candidato e de fato avaliar se ele está enquadrado, se ele está se encaixando na cultura da empresa.
Metadados: Qual é importância que você atribui à humanização no processo de recrutamento nesse momento em que a gente usa tantas tecnologias avançadas?
Sabrina: A tecnologia é fundamental para otimizar os processos, mas sem a humanização, o recrutamento fica impessoal. A tecnologia nos ajuda com dados, mas o contato humano é o que cria a empatia, a confiança. Para mim, o ideal é sempre equilibrar: usar a tecnologia como um apoio, mas manter essa sensibilidade humana para entender de fato o que o candidato está buscando e alinhar com o que a empresa também está buscando. Se a gente deixa tudo nas mãos da tecnologia, acredito que certas nuances ela vai deixar passar. E será que só com a tecnologia a gente vai encontrar o nosso candidato perfeito para desempenhar as funções que a gente realmente quer que ele desempenhe na empresa?
Metadados: Como é acompanhamento humano junto com o uso tecnologia no RH em que você trabalha?
Sabrina: Trabalhamos com a Jobfy, que é uma plataforma da Metadados, desde 2020. Utilizamos a plataforma para a parte operacional, como a abertura da vaga, a descrição detalhada das funções, das atividades, dos benefícios. Cada vaga tem o seu processo individual. A gente padroniza o máximo que dá, mas também deixamos flexível para o candidato não achar o processo maçante. Esse é um ponto-chave que a tecnologia pode atrapalhar: se o candidato acha o processo seletivo muito maçante, ele desiste.
A plataforma tem a opção da autoentrevista, que utilizamos às vezes como uma forma de triagem. São perguntas-chave para extrair as informações necessárias para avançar o candidato de etapa. Então, a gente marca uma videochamada. O candidato conhece os recrutadores da Toli. Depois, vai para o coordenador. Para nós, essa forma de entrevista online e só partir para a fase final, a decisão com o gestor, com o líder do processo, facilita muito.
A plataforma também tem as opções para pedir documentação, os retornos. Quando a pessoa é eliminada do processo, já recebe o primeiro feedback, não fica aguardando o processo de seleção terminar. E a partir do momento que o recrutamento entra em contato com essa pessoa de forma mais pessoal, o retorno também é mais pessoal. Sendo positivo, com uma proposta. E se for negativo, dizendo que não foi selecionado, pontuando e deixando aberto (o resultado) para o candidato.
A gente tenta deixar esse processo o mais pessoal possível. Ele já passa a parte de cadastrar o currículo, de anexar documento, de fazer teste, de gravar um vídeo de forma automática. Então, esse contato faz total diferença para ter o interesse de se candidatar novamente, porque ele se sente acolhido e a gente demonstra que continua de portas abertas.
Metadados: Você menciona essa questão do feedback em relação à vaga. Essa é uma das reclamações muito comum dos candidatos em relação ao uso da tecnologia. Eles apontam que não recebem os retornos. Essa é uma “responsabilidade” da tecnologia ou do recrutador?
Sabrina: A tecnologia te dá ferramenta e deixa essa opção de dar feedbacks. Mas, na maioria das vezes, o recrutador deixa tudo muito padronizado e artificial. Essa falta de personalização vai dar a entender que o candidato está falando com uma máquina. “Então, se não tem ninguém olhando o meu currículo, como é que eu vou passar do processo?” Porque ele (o candidato) não sabe onde está errando no currículo. A tecnologia não vai conseguir captar como um erro e o candidato desiste do processo.
Nós fazemos a personalização com mensagens, colocamos o primeiro nome, mudamos as etapas. Essa personalização e esse cuidado fazem com que eles entendam que tem uma pessoa ali. E quase que 100% das plataformas, pelo que a gente conhece, têm a opção de mandar uma mensagem, de mandar e-mails. Tem que estar muito aberto a dar esse retorno. A plataforma é uma grande aliada. Recebemos uma quantidade enorme de candidatos e, na maioria das vezes, ela vai filtrar e deixar os candidatos com o melhor perfil. Então, ela te reduz muito tempo com essa triagem automática. Mas a gente não pode perder esse olhar e esse tato.
Confira a entrevista completa com Sabrina Jarpelon Jasco no canal da Metadados no YouTube. Acesse agora!
Metadados: Isso também pode respingar em outros possíveis candidatos ou processos seletivos. Pode haver uma perda de talento em função dessa falta de habilidade de lidar com a tecnologia?
Sabrina: Isso eu acho muito importante. Também gosto de salientar de sempre estar atento à plataforma que tu estás usando. Ela precisa ser intuitiva, ela precisa ser fácil para o teu candidato. Não adianta ter uma plataforma que faz milhares de personalizações e diminui muito teu trabalho burocrático, mas ela fica difícil para o teu candidato. Isso também faz ele desistir do processo.
Então é muito importante ficar de olho nas otimizações que a tua plataforma vai tendo, prestar atenção nessas pequenas melhorias que tu podes fazer e ver se o teu candidato e o teu público estão aderindo à tua plataforma. Às vezes, o mais simples é o que mais te ajuda. Então assim, indica: essa etapa aqui é para tu preencheres com sim e não.
Essas pequenas facilidades vão fazer com que o teu candidato sinta que é fácil e aí a gente não perde futuros talentos. Porque, às vezes, a pessoa estava sem a experiência ou estava sem escolaridade na época e agora ela atende ao requisito. Mas foi ruim a experiência lá (no passado), ele não vai se candidatar novamente, mesmo tendo todo o potencial para ser um futuro funcionário.
Metadados: As plataformas ficam vulneráveis à manipulação de informações. Como o RH identifica isso?
Sabrina: O papel humano é essencial para dar esse toque final na triagem. A Inteligência Artificial é rápida, mas nem sempre vai entender as nuances de um currículo ou de uma experiência. Cabe ao recrutador calibrar a ferramenta, estar sempre de olho nos critérios, ajustar, fazer uma segunda avaliação do currículo para garantir bons candidatos.
Eu tenho o meu perfil como recrutadora, mas tenho o meu usuário também. Então, volta e meia, entro na minha plataforma como usuário. Vou lá preencher um teste para ver se o meu processo está bom, se está fácil de mexer na minha ferramenta.
Também conheço o meu perfil e sei o que a Toli está buscando. Sei em que posição mais ou menos eu ficaria, aí vou ajustando os critérios. O envolvimento do recrutador está nesses pequenos ajustes. Então, eu acho que o nosso papel é o quê? Estar bem próximo para dar esse toque final e ficar de olho sempre nas regras internas. É conhecer a tua ferramenta. Qualquer atualização, eu já chamo as meninas. Eu acho que tu, como recrutador, teres esse suporte é muito importante.
O papel do recrutador é calibrar o processo da Inteligência Artificial e não deixá-lo no automático. A tua Inteligência Artificial vai criando uma memória. A chave é a qualidade dos dados. Ela vai ser tendenciosa? Se tu alimentares a IA com dados diversos, fizeres revisão constante, tu vais conseguir reduzir esses vieses. O papel do recrutador é essencial para questionar e ajustar os critérios que ela está utilizando. A gente é mais imparcial do que a IA e cabe a nós deixarmos ela imparcial também.
Metadados: O recrutador tem que ter uma capacidade analítica muito forte tanto em relação à plataforma quanto em relação aos dados e currículos que pré-seleciona.
Sabrina: A IA vai ter as suas limitações. Cabe a nós recrutadores darmos o toque humano. Agora, o recrutador tem de ser mais analítico. A gente tem que usar a ferramenta a nosso favor. Não basta saber usar, tem que saber interpretar o que ela está trazendo. Ela traz dados, mas cabe ao recrutador fazer a análise correta desses dados. Eu acho que essa capacidade analítica e crítica é o que faz a diferença para o recrutador que faz bem o uso da tecnologia.